A probabilidade de ocorrência de mega-ondas de calor na Europa pode aumentar cinco a dez vezes nos próximos 40 anos, segundo um estudo liderado por investigadores da Universidade de Lisboa, publicado hoje na revista Science. Mas um episódio extremo como o que se verificou na Rússia em 2010 é pouco provável de se repetir antes da segunda metade deste século.
Segundo o estudo, o Verão de 2010 – que provocou 55 mil mortes, um milhão de hectares de áreas ardidas em incêndios e 25 por cento de redução na produção agrícola – foi excepcional, ultrapassando em vários níveis, a onde de calor de 2003. As temperaturas máximas e mínimas bateram recordes em várias cidades da Rússia, o epicentro do calor.
Em termos médios, foram ultrapassados os máximos dos últimos 140 anos não só na Rússia, mas também na Bielorússia, Ucrânia e Cazaquistão. Entre Julho e Agosto, cerca de dois milhões de quilómetros quadrados – 22 vezes a área de Portugal – suaram sob influência da canícula. Para 2003, a estimativa é de um milhão de quilómetros quadrados, com o centro em França.
Comparando 2010 com observações e reconstruções de temperaturas do passado, o estudo conclui que foi o Verão mais quente dos últimos 510 anos. Os outros quatro mais quentes também ocorreram na década passada – 2003, 2002, 2006 e 2007, em ordem decrescente de magnitude.
A última década foi de tal forma importante que redesenhou o mapa dos verões excepcionais na Europa. Segundo uma análise espacial e temporal feita pelo estudo desde 1500 até 2000, apenas algumas zonas da Europa tinham batido em décadas recente os seus recordes de temperatura média – como a Península Ibérica, Rússia e Turquia. Outras áreas mantinham os recordes fixados noutros períodos, alguns até no século XVI.
Incluindo os anos de 2001 a 2010 no mapa, o estudo conclui que não só a maior parte da Europa passou a ter os recordes na última década, como as anomalias das temperaturas – ou seja, a sua diferença em relação à média do período de referência (1970-1999) – tornaram-se maiores. “Tivemos uma década excepcional em termos de verões quentes”, afirma o autor principal do estudo, David Barriopedro, do Instituto Dom Luiz, da Universidade de Lisboa.
O calor de 2010 foi em parte provocado pelo bloqueio persistente de um anticiclone sobre a Rússia ocidental. Mas outro factor poderá ter contribuído: a fraca precipitação na Primavera e uma menor cobertura de neve também nesse período. Com menos humidade no solo, o calor em si pode ter sido exacerbado – como alguns estudos científicos mostram ter acontecido no Verão de 2003. “Em 2010, julgamos que também possa ter tido alguma importância. Mas isto ainda não foi avaliado”, afirma o investigador Ricardo Trigo, também do Instituto Dom Luiz e co-autor do estudo – assinado ainda por investigadores das universidades de Giessen (Alemanha), Complutense de Madrid (Espanha) e ETH Zurique (Suíça).
Um artigo publicado este mês na revista Geophysical Research Letters atribui a onda de calor da Rússia sobretudo ao bloqueio atmosférico, que manteve afastadas durante semanas as tempestades de Verão que normalmente vêm do Pólo Norte. As alterações climáticas, segundo esse artigo de investigadores norte-americanos, não podem ser aqui invocadas.
Para o futuro, porém, a situação pode ser diferente. Com base em modelos regionais de simulação do clima e num único cenário de emissões de CO2 até 2100, o estudo agora publicado na Science faz uma estimativa do que poderá acontecer à frequência das mega-ondas de calor num mundo mais quente. Episódios como o de 2003, raros no século XX, poderão ocorrer, em 2020-2049, com um período de retorno de 10 anos na Europa do Leste e de 15 anos na Europa Ocidental.
A repetição de uma onda de calor como de 2010 até 2050 é improvável. Mas no final do século, os modelos apontam para a sua ocorrência uma vez a cada quatro ou oito anos.
David Barropiedro afirma que é preciso olhar com cautela para os números absolutos. “Temos de ter cuidado, porque há muitas incertezas”, afirma. Mas, no cenário analisado, as simulações apontam no mesmo caminho. “O que os modelos apresentam é um aumento da probabilidade de mega-ondas de calor”, acrescenta o investigador.
O estudo fala na “probabilidade crescente” da sua ocorrência “sobre áreas da Europa densamente povoadas”. E conclui: “Dados os desastrosos efeitos de 2003 e 2010, estes resultados apontam para sérios riscos de efeitos adversos simultâneos sobre amplas áreas, se não forem adoptadas estratégias de adaptação”.
17.03.2011, Ricardo Garcia, Público.pt
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